Paulo Zifum
A vida nos proporciona essa experiência de não querer ir algum lugar. E a maioria das pessoas tem dificuldade de, simplesmente dizer: não quero ir. Muita energia se gasta pensando em arrumar uma desculpa, de preferência, um bom motivo para se escusar. E, havendo falha de caráter, precipita-se no uso de mentiras para escapar de compromissos. E o problema não são os convites de desconhecidos ou de eventos dos quais não temos ligação alguma. O dilema surge quando o convite está relacionado a algo ou alguém com quem já estamos comprometidos historicamente. E, dependendo da honra do convite, há um constrangimento porque a dignidade de quem convida é alta demais para declinarmos.
A parábola abaixo fala sobre isso.
¹ De novo, entrou Jesus a falar por parábolas, dizendo-lhes: ² O reino dos céus é semelhante a um rei que celebrou as bodas de seu filho. ³ Então, enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas; mas estes não quiseram vir. ⁴ Enviou ainda outros servos, com esta ordem: Dizei aos convidados: Eis que já preparei o meu banquete; os meus bois e cevados já foram abatidos, e tudo está pronto; vinde para as bodas. ⁵ Eles, porém, não se importaram e se foram, um para o seu campo, outro para o seu negócio;
⁶ e os outros, agarrando os servos, os maltrataram e mataram. ⁷ O rei ficou irado e, enviando as suas tropas, exterminou aqueles assassinos e lhes incendiou a cidade. ⁸ Então, disse aos seus servos: Está pronta a festa, mas os convidados não eram dignos. ⁹ Ide, pois, para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para as bodas a quantos encontrardes. ¹⁰ E, saindo aqueles servos pelas estradas, reuniram todos os que encontraram, maus e bons; e a sala do banquete ficou repleta de convidados. ¹¹ Entrando, porém, o rei para ver os que estavam à mesa, notou ali um homem que não trazia veste nupcial ¹² e perguntou-lhe: Amigo, como entraste aqui sem veste nupcial? E ele emudeceu. ¹³ Então, ordenou o rei aos serventes: Amarrai-o de pés e mãos e lançai-o para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes. ¹⁴ Porque muitos são chamados, mas poucos, escolhidos. Mateus 22:1-14
Jesus contou essa parábola para denunciar a rejeição de Israel à nova aliança feita pelo Filho de Deus e para mostrar aos eleitos que o plano redentor da graça de Deus se estende todos os povos. Também, de maneira secundária, a parábola ensina sobre o ministério dos evangelistas e avisa que o amor de Deus jamais excluirá sua justiça.
A ALEGORIA DAS BODAS
O conteúdo provocativo da parábola faz o uso da alegoria do casamento na didática dos profetas do Antigo Testamento, na qual Deus é como um esposo e a nação de Israel como uma esposa com quem o Senhor fez uma aliança (Jr.3.1 e 8; Ez. 16:8-14, Os.1-4). João Batista, o último dos profetas do AT, identifica a Jesus como o noivo ao dizer: “aquele que tem a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo, que lhe assiste e o ouve, alegra-se muito com a voz do esposo. Assim, pois, já este meu gozo está cumprido. É necessário que ele cresça e que eu diminua” (Jo.3.28-30). E Jesus, consola seus discípulos prometendo-lhes a segurança dos termos esponsais, dizendo: “não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito, pois vou preparar-vos lugar. E, se eu for e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que, onde eu estiver, estejais vós também” (Jo.14.1-3). Para os discípulos que conheciam os termos, a alegoria das bodas estava clara.
A FESTA
As festas da realeza eram e ainda são minuciosamente organizadas, mas o casamento de um herdeiro do trono, tem cuidados bem mais exigentes. A lista de convidados é seletiva e receber o acesso às bodas de um rei é a mais alta honraria. Comitivas especiais formadas por pessoas devidamente treinadas, prestavam deferências de honra aos convidados e davam instruções de etiqueta e sobre os trajes adequados. Ser convidado para as bodas da nobreza é uma ascensão social e uma prova de que se tem o favor do rei. Portanto, esse convite específico exigia extrema atenção dos convidados e, a decisão de rejeitá-lo estava fora de cogitação da monarquia. Por essa razão, podemos notar a insistência do rei em mandar comissários para repetir o convite.
A REJEIÇÃO
A parábola narra como os convidados rejeitam a honra dada a eles, criando uma tensão entre eles e o rei. Quando se diz: “enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas” (Mt.22.3), significa que esses convidados já tinham seus nomes confirmados. Provavelmente, a organização entregou cartas seladas com o nome do convidado e esse confirmou sua presença. Não se tratava mais de convite, mas de um aviso para se tomar lugar à mesa.
Dado o tempo aprazado com folga para os convidados chegarem, o rei, em sua nobreza e bondade, envia nova comitiva, talvez considerando que os que “não quiseram vir” tenham confundido a data ou não tenham entendido que “o tempo é hoje” (2Co.6.12). E o rei, dessa vez, explicita: “eis que já preparei o meu banquete; os meus bois e cevados já foram abatidos, e tudo está pronto; vinde para as bodas” (Mt.22.4). E como a segunda chamada era clara com a expressão “os bois já foram abatidos”, os convidados não poderiam ter mais dúvidas causadas por servos que não souberam explicar direito. O rei bondoso não deixaria seus convidados correrem o risco de exclusão da festa por falhas de comunicação. Como está escrito: “o Senhor é extremamente paciente para convosco e não quer que ninguém pereça” (2Pe.3.9).
E é nesse contexto, que começam a surgir as desculpas para não ir ao banquete. O leitor, ao comparar essa mesma parábola descrita no Evangelho de Lucas, deve inferir que Jesus tenha contado as duas versões. Em Mateus, os convidados que “não se importaram” nem desculpas deram, em Lucas se justificaram dizendo: “comprei um campo e importa ir vê-lo…. , “comprei cinco juntas de bois, e vou experimentá-los”… , “casei, e portanto não posso ir” (Lc.14.18-20). E embora a versão de Lucas seja mais amena, não significa que rei tenha aceitado as desculpas, pois disse: “porque eu vos digo que nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia” (Lc.14.24).
Essa rejeição confirmada no prólogo do Evangelho de João no famoso trecho “ele veio para os seus, mas os seus não o receberam” (Jo.1.11), estava profetizada em “o tempo todo estendi as mãos a um povo desobediente e rebelde” (Is.65.2).
EVANGELISTAS
E sobre esses servos, emissários, arautos do rei, podemos fazer os seguintes destaques: eles tinham uma boa mensagem, um convite maravilhoso para fazer ao povo, essa tarefa tinha risco de rejeição que poderia ser violenta, e alguns deles foram martirizados. No caso da parábola, os servos são comparados aos profetas do Antigo Testamento, Hoje, podemos dizer que esse servos são os discípulos enviados a pregar o Evangelho “nas ruas e becos” de todas as nações. A missãos
O JUÍZO
A reação severa do rei aos convidados que rejeitaram seu convite tem seu contexto. Um soberano bondoso que manda convite e comitivas de insistência, não destruiria cidades inteiras com rigor desproporcional. Parece-nos que os convites eram uma forma conciliação com aqueles que já estavam em oposição. As bodas era uma espécie de anistia. Para o rei, aqueles convidados que deram desculpas ou foram violentos, estavam em concórdia. A rejeição era um rompimento e as desculpas apresentadas, eram tão graves quanto a violência contra os emissários.
O juízo do rei, então, surpreende a todos que estavam na cidade fazendo negócios, comprando campos e juntas de bois, e que “comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento” (Mt.24.38-41). Portanto, não estavam na cidade, aqueles que tinham atendido a primeira e a segunda chamada. O que revela tanto a paciência como a justiça desse rei, pois está escrito: “longe de ti o fazeres tal coisa, matares o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao ímpio; longe de ti” (Gn.18.20-21). Quando a cidade foi subvertida, só haviam rebeldes nela.
Mas é possível que, alguns desses rebeldes tenham escapado “fugindo da ira vindoura” (Mt.3.7) e tenham se misturado com os convidados da última chamada. E desconfiamos que “o homem que não trazia a veste nupcial” eram um desses rebeldes que não poderia estar nessa ceia. Ora, ele poderia estar disfarçado entre os “maus e bons” (Mt.22.10) e os “pobres, e aleijados, e mancos e cegos” (Lc.14.21) que estavam nas ruas e becos. Mas ele foi descoberto por causa de seus trajes inadequados. Dizem os estudiosos que um palácio real tinha vestes festivais de sobra para convidados despreparados e esses trajes já tinha sido distribuídos aos convidados pobres chamados na última hora. O rei, ao congratular seus convidados em sua mesa, o identificou aquele homem com os rebeldes que deviam ser condenados. Nada escapava do olhar desse monarca.
A GRAÇA
E, na verdade, esse rei já sabia que poucos dos primeiros convidados entrariam nas bodas. A nação de Israel foi chamada, mas poucos judeus foram escolhidos. Segundo a parábola, os eleitos estavam nas “ruas e becos”, conforme disse Paulo: “irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus” (1Co.1.26-29). Embora o rei tenha insistido em chamar os judeus, foram os gentios marginais (à margem), que realmente eram eleitos para entrar nas bodas do Filho.
Feitas todas essas considerações, podemos nos debruçar no ponto alto dessa parábola, a saber: a reação do rei à rejeição foi mostrar graça aos que não esperavam serem convidados. Esses foram surpreendidos, sem saberem a razão de estarem sendo incluídos na lista da festa do rei. Como está escrito: “fui achado por aqueles que não me procuravam; revelei-me àqueles que não perguntavam por mim” (Is.65.2).
Paulo explana: “Novamente pergunto: Acaso tropeçaram para que ficassem caídos? De maneira nenhuma! Ao contrário, por causa da transgressão deles, veio salvação para os gentios, para provocar ciúme em Israel. Mas se a transgressão deles significa riqueza para o mundo, e o seu fracasso, riqueza para os gentios, quanto mais significará a sua plenitude! Estou falando a vocês, gentios. Visto que sou apóstolo para os gentios, exalto o meu ministério, na esperança de que de alguma forma possa provocar ciúme em meu próprio povo e salvar alguns deles” (Rm.11.11-14).
CONCLUSÃO
Nós, os gentios, fomos incluídos numa festa que, primariamente não era para nós. Os judeus rejeitaram o Rei e seu banquete espiritual, mas os remanescentes e os novos convidados indecentes entraram na Festa. Quando assentaram-se ao redor da mesa do Rei foram chamados de Igreja.
As Bodas de Casamento do Noivo e Noiva é a bela alegoria entre Cristo e sua Igreja. O banquete vai acontecer e os servos ainda estão nas ruas e becos, pregando o Evangelho do Reino, convidando a todos para que entrem. A oferta graciosa continua sendo feita e, todos os crentes, que aceitaram o maravilhoso convite, aguardam esse grande dia. E, para abrilhantar essa expectativa, o poeta Stênio Marcius nos brinda com sua visão sensível da parábola, adicionando o testemunho que destila o sentimento da mais profunda gratidão, assim:
É o dia da Festa do Rei
O Castelo é todo alegria
Para em par as janelas se abrem
E flâmulas brancas
tremulam ao vento
reluzem no alto
O Rei já mandou convidar
Enviou mensageiros reais
Com brasões e cavalos ligeiros
Repiques, trombetas
nas terra daquele
que tem sangue azul
Mas, com mil desculpas
mal contadas
cada um dos convidados
desprezou a honraria
como se nada importasse
e, houve até quem matasse
os mensageiros reais
aos quais o rei, justiçou
O Castelo todo enfeitado
e sobre a mesa a fina louça
e o banquete preparado
o Rei ordena e alardeia:
Eu quero ver minha casa cheia
Tragam todos os desvalidos
Vão por toda encruzilhada
e aos que não tem eira nem beira
o Rei ordena e alardeia:
Eu quero ver minha casa cheia!
Assim, no Castelo eu me achei
Eu entrei pela porta do frente
Veio o Filho do Rei me saudar
Trocar meus farrapos
por vestes tão alvas
iguais as que usava
Assentei-me à mesa
do misericordioso Rei
na presença dele
foi então então que me fartei
ele me disse:
Amigo, fica!
E eu, fiquei!