NÃO É NENHUMA CIRURGIA

Paulo Zifum

Estava em viagem e entrei no desconhecido Salão do Marinho para cortar meu cabelo. Expliquei a ele como gostaria que fizesse o corte, mas pareceu-me que ele não deu a devida atenção. Quando estava para começar o corte, perguntei se ele tinha entendido e foi então que fui surpreendido: -senhor! isso não é nenhuma cirurgia!

Aquiesci, pensando na frase de que não se tratava de uma cirurgia e que, se não desse certo, o cabelo iria crescer novamente. Conclui sobre quantas preocupações tolas tenho para as quais deveria dizer: “não é uma cirurgia”.

NÃO GOSTAM DE VOCÊ?

Paulo Zifum

Quando descubro que alguém não gosta de mim, fico em estado de alerta. Não por causa da pessoa, mas por meu ego que não suporta um desafeto. O fato de desejar ser amado e aceito por todos, é um sinal de enfermidade espiritual. Pessoas equilibradas consideram que, por não serem perfeitas, irão decepcionar ou magoar alguém. Portanto, é saudável que, ao descobrir que alguém não me ama, devo achar isso aceitável em face de minha condição de pecador. Devo procurar essa pessoa para resolver o conflito, não partindo do pressuposto de que eu estou certo e que a pessoa foi injusta, mas sendo humilde, considerando que minhas possíveis falhas fizeram o outro tropeçar. Essa postura é a renúncia do ego, é tomar a Cruz, é morrer para si.

FRUSTRAÇÃO

Paulo Zifum

A esperança que se adia
faz adoecer o coração,
mas o desejo cumprido
é árvore de vida.

Pv.13.12

A frustração é um perigoso sentimento de tristeza relacionado ao fracasso ou falha cometidos ou sofridos. Perigoso porque pessoas frustradas podem desanimar ou ressentir em excesso. É um tipo de tristeza que fermenta e que, se não for interrompida, cresce para depressão ou ódio.

E, sendo a frustração proporcional ao tamanho da expectativa, entendemos o quanto que pessoas exageradas podem adoecer com suas fantasias. Pensar de si além do que convém (Rm.12.3), “montar” ideais subjetivos para relacionamentos, apostar triunfo em coisas temporárias e incertas, agir com pressa para desfrutar rápido de algo, são exageros que podem nos frustrar e adoecer.

E, de todas as frustrações, a pior é aquela que temos com pessoas das quais esperamos reconhecimento, algum tipo de empatia ou pagamento justo. E se, ser pontual, honesto, amável, educado, altruísta e justo nos faz esperar que as pessoas sejam algo parecido, então, vamos nos frustrar muito pelo fato de esperar que as pessoas se comportem da mesma forma.

Então, qual seria a receita para evitar frustrações? A resposta é óbvia. Não há como, nesse mundo, blindar-se de sofrer com esse sentimento. Tanto em solidão como em coletividade, vamos nos frustrar conosco, com pessoas ou circunstâncias. A única coisa preventiva que podemos e devemos fazer é baixar as expectativas altas e manter as que são razoáveis sob monitoramento.

Que vamos nos frustrar, isso não há dúvida, mas é possível, com Deus, não adoecer o coração, porque em oração e fé, nossos desejos espirituais serão satisfeitos (Sl.37.4). Sofreremos frustração uma noite inteira, mas a alegria vem pela manhã (Sl.30.5).

FURTO DE MELANCIA

Paulo Zifum

Era o ano de 1952 quando ela mergulhou no Rio Doce para atravessar até a ilha. Levou consigo dois bornais de pano para roubar melancias. Tomou cuidado para ser não ser vista e saiu rapidamente carregando duas frutas. O furto aquático exigia muita habilidade, pois, era preciso segurar as sacolas, uma de cada lado, presas nos dentes enquanto se faz muito esforço ao nadar.

Saindo à margem da ilha, notou algo suspeito, voltou-se, colocou as melancias na relva. Depois, com muito cuidado, achou uma espingarda travada como armadilha para espantar ladrões. Se não tivesse visto a corda que se estendia escondida da plantação até o rio, teria acionado o disparo. Esperta, desativou o dispositivo e seguiu a nado até a outra margem.

Mas, para sua decepção, seu esposo chegou naquele mesmo momento, a vendo sair toda molhada do rio. Ele aproximou-se e a reprovou com muito amor: -Mulher! Onde você estava com a cabeça de fazer isso? Você poderia morrer com um tiro. Olhando as sacolas, soube que ela estava furtando melancia na propriedade dos Belinni. Nessa hora, a filhinha de três anos de idade saiu para o terreiro. O pai a tomou no colo e chamou a esposa para entrar.

Essa história aconteceu no pequeno vilarejo de Pedra Corrida, identificado no mapa acima. O marido estava trabalhando na lavoura, mas sem muita perspectiva. As necessidades eram muitas e a esposa não sabia como ajudar seu esposo. Descobriu imediatamente que essa não poderia ser a maneira de auxiliar um homem honesto como seu esposo, se bem que, essa travessura não foi a última. Os dois com 20 anos de idade, tinham apenas uma linda menininha e viviam pobres num casebre emprestado à beira do Rio Doce.

O BANQUETE DAS BODAS

Paulo Zifum

A vida nos proporciona essa experiência de não querer ir algum lugar. E a maioria das pessoas tem dificuldade de, simplesmente dizer: não quero ir. Muita energia se gasta pensando em arrumar uma desculpa, de preferência, um bom motivo para se escusar. E, havendo falha de caráter, precipita-se no uso de mentiras para escapar de compromissos. E o problema não são os convites de desconhecidos ou de eventos dos quais não temos ligação alguma. O dilema surge quando o convite está relacionado a algo ou alguém com quem já estamos comprometidos historicamente. E, dependendo da honra do convite, há um constrangimento porque a dignidade de quem convida é alta demais para declinarmos.

A parábola abaixo fala sobre isso.

¹ De novo, entrou Jesus a falar por parábolas, dizendo-lhes: ² O reino dos céus é semelhante a um rei que celebrou as bodas de seu filho. ³ Então, enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas; mas estes não quiseram vir. ⁴ Enviou ainda outros servos, com esta ordem: Dizei aos convidados: Eis que já preparei o meu banquete; os meus bois e cevados já foram abatidos, e tudo está pronto; vinde para as bodas. ⁵ Eles, porém, não se importaram e se foram, um para o seu campo, outro para o seu negócio;
⁶ e os outros, agarrando os servos, os maltrataram e mataram. ⁷ O rei ficou irado e, enviando as suas tropas, exterminou aqueles assassinos e lhes incendiou a cidade. ⁸ Então, disse aos seus servos: Está pronta a festa, mas os convidados não eram dignos. ⁹ Ide, pois, para as encruzilhadas dos caminhos e convidai para as bodas a quantos encontrardes. ¹⁰ E, saindo aqueles servos pelas estradas, reuniram todos os que encontraram, maus e bons; e a sala do banquete ficou repleta de convidados. ¹¹ Entrando, porém, o rei para ver os que estavam à mesa, notou ali um homem que não trazia veste nupcial ¹² e perguntou-lhe: Amigo, como entraste aqui sem veste nupcial? E ele emudeceu. ¹³ Então, ordenou o rei aos serventes: Amarrai-o de pés e mãos e lançai-o para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes. ¹⁴ Porque muitos são chamados, mas poucos, escolhidos.
Mateus 22:1-14

Jesus contou essa parábola para denunciar a rejeição de Israel à nova aliança feita pelo Filho de Deus e para mostrar aos eleitos que o plano redentor da graça de Deus se estende todos os povos. Também, de maneira secundária, a parábola ensina sobre o ministério dos evangelistas e avisa que o amor de Deus jamais excluirá sua justiça.

A ALEGORIA DAS BODAS
O conteúdo provocativo da parábola faz o uso da alegoria do casamento na didática dos profetas do Antigo Testamento, na qual Deus é como um esposo e a nação de Israel como uma esposa com quem o Senhor fez uma aliança (Jr.3.1 e 8; Ez. 16:8-14, Os.1-4). João Batista, o último dos profetas do AT, identifica a Jesus como o noivo ao dizer: “aquele que tem a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo, que lhe assiste e o ouve, alegra-se muito com a voz do esposo. Assim, pois, já este meu gozo está cumprido. É necessário que ele cresça e que eu diminua” (Jo.3.28-30). E Jesus, consola seus discípulos prometendo-lhes a segurança dos termos esponsais, dizendo: “não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito, pois vou preparar-vos lugar. E, se eu for e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que, onde eu estiver, estejais vós também” (Jo.14.1-3). Para os discípulos que conheciam os termos, a alegoria das bodas estava clara.

A FESTA
As festas da realeza eram e ainda são minuciosamente organizadas, mas o casamento de um herdeiro do trono, tem cuidados bem mais exigentes. A lista de convidados é seletiva e receber o acesso às bodas de um rei é a mais alta honraria. Comitivas especiais formadas por pessoas devidamente treinadas, prestavam deferências de honra aos convidados e davam instruções de etiqueta e sobre os trajes adequados. Ser convidado para as bodas da nobreza é uma ascensão social e uma prova de que se tem o favor do rei. Portanto, esse convite específico exigia extrema atenção dos convidados e, a decisão de rejeitá-lo estava fora de cogitação da monarquia. Por essa razão, podemos notar a insistência do rei em mandar comissários para repetir o convite.

A REJEIÇÃO
A parábola narra como os convidados rejeitam a honra dada a eles, criando uma tensão entre eles e o rei. Quando se diz: “enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas” (Mt.22.3), significa que esses convidados já tinham seus nomes confirmados. Provavelmente, a organização entregou cartas seladas com o nome do convidado e esse confirmou sua presença. Não se tratava mais de convite, mas de um aviso para se tomar lugar à mesa.

Dado o tempo aprazado com folga para os convidados chegarem, o rei, em sua nobreza e bondade, envia nova comitiva, talvez considerando que os que “não quiseram vir” tenham confundido a data ou não tenham entendido que “o tempo é hoje” (2Co.6.12). E o rei, dessa vez, explicita: “eis que já preparei o meu banquete; os meus bois e cevados já foram abatidos, e tudo está pronto; vinde para as bodas” (Mt.22.4). E como a segunda chamada era clara com a expressão “os bois já foram abatidos”, os convidados não poderiam ter mais dúvidas causadas por servos que não souberam explicar direito. O rei bondoso não deixaria seus convidados correrem o risco de exclusão da festa por falhas de comunicação. Como está escrito: “o Senhor é extremamente paciente para convosco e não quer que ninguém pereça” (2Pe.3.9).

E é nesse contexto, que começam a surgir as desculpas para não ir ao banquete. O leitor, ao comparar essa mesma parábola descrita no Evangelho de Lucas, deve inferir que Jesus tenha contado as duas versões. Em Mateus, os convidados que “não se importaram” nem desculpas deram, em Lucas se justificaram dizendo: “comprei um campo e importa ir vê-lo…. , “comprei cinco juntas de bois, e vou experimentá-los”… , “casei, e portanto não posso ir” (Lc.14.18-20). E embora a versão de Lucas seja mais amena, não significa que rei tenha aceitado as desculpas, pois disse: “porque eu vos digo que nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia” (Lc.14.24).

Essa rejeição confirmada no prólogo do Evangelho de João no famoso trecho “ele veio para os seus, mas os seus não o receberam” (Jo.1.11), estava profetizada em “o tempo todo estendi as mãos a um povo desobediente e rebelde” (Is.65.2).

EVANGELISTAS
E sobre esses servos, emissários, arautos do rei, podemos fazer os seguintes destaques: eles tinham uma boa mensagem, um convite maravilhoso para fazer ao povo, essa tarefa tinha risco de rejeição que poderia ser violenta, e alguns deles foram martirizados. No caso da parábola, os servos são comparados aos profetas do Antigo Testamento, Hoje, podemos dizer que esse servos são os discípulos enviados a pregar o Evangelho “nas ruas e becos” de todas as nações. A missãos

O JUÍZO
A reação severa do rei aos convidados que rejeitaram seu convite tem seu contexto. Um soberano bondoso que manda convite e comitivas de insistência, não destruiria cidades inteiras com rigor desproporcional. Parece-nos que os convites eram uma forma conciliação com aqueles que já estavam em oposição. As bodas era uma espécie de anistia. Para o rei, aqueles convidados que deram desculpas ou foram violentos, estavam em concórdia. A rejeição era um rompimento e as desculpas apresentadas, eram tão graves quanto a violência contra os emissários.

O juízo do rei, então, surpreende a todos que estavam na cidade fazendo negócios, comprando campos e juntas de bois, e que “comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento” (Mt.24.38-41). Portanto, não estavam na cidade, aqueles que tinham atendido a primeira e a segunda chamada. O que revela tanto a paciência como a justiça desse rei, pois está escrito: “longe de ti o fazeres tal coisa, matares o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao ímpio; longe de ti” (Gn.18.20-21). Quando a cidade foi subvertida, só haviam rebeldes nela.

Mas é possível que, alguns desses rebeldes tenham escapado “fugindo da ira vindoura” (Mt.3.7) e tenham se misturado com os convidados da última chamada. E desconfiamos que “o homem que não trazia a veste nupcial” eram um desses rebeldes que não poderia estar nessa ceia. Ora, ele poderia estar disfarçado entre os “maus e bons” (Mt.22.10) e os “pobres, e aleijados, e mancos e cegos” (Lc.14.21) que estavam nas ruas e becos. Mas ele foi descoberto por causa de seus trajes inadequados. Dizem os estudiosos que um palácio real tinha vestes festivais de sobra para convidados despreparados e esses trajes já tinha sido distribuídos aos convidados pobres chamados na última hora. O rei, ao congratular seus convidados em sua mesa, o identificou aquele homem com os rebeldes que deviam ser condenados. Nada escapava do olhar desse monarca.

A GRAÇA
E, na verdade, esse rei já sabia que poucos dos primeiros convidados entrariam nas bodas. A nação de Israel foi chamada, mas poucos judeus foram escolhidos. Segundo a parábola, os eleitos estavam nas “ruas e becos”, conforme disse Paulo: “irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus” (1Co.1.26-29). Embora o rei tenha insistido em chamar os judeus, foram os gentios marginais (à margem), que realmente eram eleitos para entrar nas bodas do Filho.

Feitas todas essas considerações, podemos nos debruçar no ponto alto dessa parábola, a saber: a reação do rei à rejeição foi mostrar graça aos que não esperavam serem convidados. Esses foram surpreendidos, sem saberem a razão de estarem sendo incluídos na lista da festa do rei. Como está escrito: “fui achado por aqueles que não me procuravam; revelei-me àqueles que não perguntavam por mim” (Is.65.2).

Paulo explana: “Novamente pergunto: Acaso tropeçaram para que ficassem caídos? De maneira nenhuma! Ao contrário, por causa da transgressão deles, veio salvação para os gentios, para provocar ciúme em Israel. Mas se a transgressão deles significa riqueza para o mundo, e o seu fracasso, riqueza para os gentios, quanto mais significará a sua plenitude! Estou falando a vocês, gentios. Visto que sou apóstolo para os gentios, exalto o meu ministério, na esperança de que de alguma forma possa provocar ciúme em meu próprio povo e salvar alguns deles” (Rm.11.11-14).

CONCLUSÃO
Nós, os gentios, fomos incluídos numa festa que, primariamente não era para nós. Os judeus rejeitaram o Rei e seu banquete espiritual, mas os remanescentes e os novos convidados indecentes entraram na Festa. Quando assentaram-se ao redor da mesa do Rei foram chamados de Igreja.

As Bodas de Casamento do Noivo e Noiva é a bela alegoria entre Cristo e sua Igreja. O banquete vai acontecer e os servos ainda estão nas ruas e becos, pregando o Evangelho do Reino, convidando a todos para que entrem. A oferta graciosa continua sendo feita e, todos os crentes, que aceitaram o maravilhoso convite, aguardam esse grande dia. E, para abrilhantar essa expectativa, o poeta Stênio Marcius nos brinda com sua visão sensível da parábola, adicionando o testemunho que destila o sentimento da mais profunda gratidão, assim:

É o dia da Festa do Rei
O Castelo é todo alegria
Para em par as janelas se abrem
E flâmulas brancas
tremulam ao vento
reluzem no alto

O Rei já mandou convidar
Enviou mensageiros reais
Com brasões e cavalos ligeiros
Repiques, trombetas
nas terra daquele
que tem sangue azul

Mas, com mil desculpas
mal contadas
cada um dos convidados
desprezou a honraria
como se nada importasse
e, houve até quem matasse
os mensageiros reais
aos quais o rei, justiçou

O Castelo todo enfeitado
e sobre a mesa a fina louça
e o banquete preparado
o Rei ordena e alardeia:
Eu quero ver minha casa cheia

Tragam todos os desvalidos
Vão por toda encruzilhada
e aos que não tem eira nem beira
o Rei ordena e alardeia:
Eu quero ver minha casa cheia!

Assim, no Castelo eu me achei
Eu entrei pela porta do frente
Veio o Filho do Rei me saudar
Trocar meus farrapos
por vestes tão alvas
iguais as que usava

Assentei-me à mesa
do misericordioso Rei
na presença dele
foi então então que me fartei
ele me disse:
Amigo, fica!
E eu, fiquei!

MATEUS 1 (para homens)

Paulo Zifum

A GENEALOGIA
Mateus foi um publicano escolhido por Jesus para ser apóstolo. Ele escreveu um dos Evangelhos no qual registra a biografia de Jesus. O livro começa com a genealogia mostrando a seus leitores judeus a ascendência de Cristo. Era incomum citar o nome de mulheres nas genealogias, não por desprezo, mas por necessidade de esclarecer questões legais de identidade e legitimidade de herança numa sociedade patriarcal. Ao citar o nome dessas mulheres, Mateus chama atenção para a forma incomum que Deus escolhe operar por meio de pessoas improváveis como Tamar, Raabe, Rute e a mulher de Urias (Bate-Seba), o autor constrange dos leitores a lembrar que a imponente tribo palaciana de Judá nasceu em contextos de incesto, prostituição, impureza étnica e adultério. E esse destaque, na verdade, tinha a intenção de mostrar que os homens envolvidos com essas mulheres, eram tão pecadores quanto os outros, a exemplo de terrível rei Manassés. O estudo da genealogia, portanto, é extremamente útil para nos humilhar, quebrando qualquer tipo de orgulho racial, moral ou religioso. Todos os homens são pecadores. Alguns mais contidos que outros, mas todos se desviaram.

O EVANGELHO
Por isso, o título do livro é euangellion, palavra grega que significa boa nova. Essa palavra tem seu contexto nas “boas novas” de vitória militar dada por um mensageiro que poderia avisar um comandante ou ser enviado por ele alegrar o rei e a nação. No caso dos povos conquistados, nem sempre quando o mensageiro levava a notícia a recebida como “boa nova”. Por esse motivo que Paulo diz: “Graças, porém, a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em triunfo e, por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento. Porque nós somos para com Deus o bom perfume de Cristo, tanto nos que são salvos como nos que se perdem. Para com estes, cheiro de morte para morte; para com aqueles, aroma de vida para vida” (2Coríntios 2.14-16). O apóstolo Paulo no texto acima usa a imagem da conhecida marcha triunfal romana. O triunfo (do grego θρίαμβος) era uma cerimônia civil mista com rito religioso organizada para homenagear publicamente o comandante militar de uma guerra onde foi notavelmente bem sucedido. O ato ocorria tanto nos arcos de Roma como nas cidades conquistadas cujo rito era feito para que os povos conquistados fizessem reverência aos triunfadores (triumphatores). Nesse desfile era comum o uso de incenso e flores eram lançadas no caminho dos vitoriosos. Quando visualizamos a cena, podemos imaginar que os vencidos não sentiam um aroma agradável, mas um “cheiro de morte”. Porém, um povo vencido, ao saber que marchava para suas cidades um general de reino justo e bom, sentia-se aliviado na esperança de libertação de um reino tirano.

Portanto, a expressão “Evangelho” nos induz a pensar no irrompimento do reino de paz e justiça que Cristo trouxe ao mundo. Paz, porque Deus oferece anistia aos pecadores por meio da Cruz de Cristo, na qual Deus satisfez toda a justiça, punindo o pecado no corpo de seu Filho (cheiro de vida). Justiça, porque os rebeldes que não receberam como euangellion como boa notícia da morte de seu Filho, terão seus pecados patentes ou secretos, julgados no fim dos tempos (cheiro de morte).

NASCIMENTO VIRGINAL
Deus amou o mundo de tal maneira que enviou seu Filho para identificar-se conosco, nascendo como homem, para que, na sua morte, o sacrifício fosse oferecido por um Deus-Homem. Em questão forense, o pecado humano foi uma ofensa cometida contra um ser divino, portanto a morte de um homem não seria suficiente para pagar o crime. E também, se Jesus, sem despir-se de sua glória como divino, se sacrificasse, ele não seria um representante legítimo do ofensa. Era preciso que ele fosse 100% homem e 100% Deus. Então, a boa notícia que Mateus traz é que esse representante divino-humano, nasceu para cumprir as profecias de redenção dos pecadores eleitos arrolados na genealogia humana desde Adão. Jesus, o Deus-homem, é um mistério que Mateus não ousou explicar, mas cuidadosamente narra seu nascimento extraordinário, sua vida singular, sua morte dramática e redentora e, por fim, seu triunfo eterno.

Os teólogos dedicaram-se a estudar o nascimento de Jesus e a Igreja destacou a importância desse tema no credo apostólico niceno (325 AD):

Creio em um Deus, Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um Senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus, gerado pelo Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado não feito, de uma só substância com o Pai; pelo qual todas as coisas foram feitas; o qual por nós homens e por nossa salvação, desceu dos céus, foi feito carne pelo Espírito Santo da Virgem Maria, e foi feito homem; e foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos. Ele padeceu e foi sepultado; e no terceiro dia ressuscitou conforme as Escrituras; e subiu ao céu e assentou-se à direita do Pai, e de novo há de vir com glória para julgar os vivos e os mortos, e seu reino não terá fim. E no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do Pai e do Filho [2] , que com o Pai e o Filho conjuntamente é adorado e glorificado, que falou através dos profetas. Creio na Igreja una, universal e apostólica, reconheço um só batismo para remissão dos pecados; e aguardo a ressurreição dos mortos e da vida do mundo vindouro

Note o destaque para o nascimento sobrenatural de Cristo era uma reação à heresia ariana que negava a doutrina da Trindade e divindade de Cristo. Essa ênfase deseja tornar inequívoca a mensagem de que Jesus não nasceu do sêmen de Adão. Essa nota nada se relaciona com a ideia de que o sexo em si fosse pecado, mas porque o sêmen transporta o pecado desde Adão. Quando Davi diz que “em pecado me concebeu minha mãe” (Sl.51.5), não insinuava de que houvesse algo errado como ato conjugal de seus pais, mas do pecado imputado a todos os seres humanos, nascidos de forma natural. Portanto, Jesus não teve contato com pecado, apenas nasceu com um corpo corruptível sujeito ao cansaço e morte. Essa doutrina é um dos pilares da mensagem redentora do Evangelho: Jesus, que nasceu sem pecado e nunca pecou, tornou-se pecado por nós, como está escrito: “aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós” (2Co.5.21).

O COMPORTAMENTO DOS ELEITOS
Sabemos que Deus nos escolheu pela inclinação de obediência e piedade que Ele colocou em nós. E o evangelista Mateus nos brinda com detalhes da vida singular de José e Maria:

¹⁸ Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Que estando Maria, sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, achou-se ter concebido do Espírito Santo. ¹⁹ Então José, seu marido, como era justo, e a não queria infamar, intentou deixá-la secretamente. ²⁰ E, projetando ele isto, eis que em sonho lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo; ²¹ E dará à luz um filho e chamarás o seu nome JESUS; porque ele salvará o seu povo dos seus pecados. ²² Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor, pelo profeta, que diz; ²³ Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, E chamá-lo-ão pelo nome de EMANUEL, Que traduzido é: Deus conosco. ²⁴ E José, despertando do sono, fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e recebeu a sua mulher; ²⁵ E não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito; e pôs-lhe por nome Jesus.

Mateus 1:18-25

Sabemos que, não fosse a ação do Espírito Santo, Maria e José não poderiam assimilar as coisas espirituais. E é maravilhoso pensar que a salvação se manifesta quando pecadores mostram temor e submissão a Deus. Maria, ao responder “sim! eis aqui a tua serva, cumpra-se em mim a tua vontade” (Lc.1.38), deveria ter noção que estava sacrificando seu sonho de casamento. Ela sabia que José pediria o divórcio “por achar nela coisa indecente” (Dt.24.1) e que a possibilidade de ser socialmente estigmatizada impediria uma nova chance de arrumar um novo casamento. José, como previsto, não tinha estrutura espiritual e emocional para entender a explicação da gravidez de Maria, mas diferente dos homens ímpios, ele “a deixa secretamente” (Mt1.19), ou seja, realiza um divórcio silencioso, provavelmente com a intenção bondosa de, ao ser questionado, proteger a reputação de Maria e de sua família. Deus, então, se revela a José em um sonho. O Senhor não ordena que José se case, apenas diz a ele casar-se sem receio. Deus sabia do amor que José tinha por Maria, e era um amor tão respeitável e profundo que, mesmo sem receber restrição divina alguma, após as núpcias, José decide “não tocar”, “não conhecer” sua esposa, ou seja, não consumou o ato conjugal enquanto Jesus não nascesse. José adota a Jesus como seu filho (Mt.13.55).

TEOLOGIA APLICADA
Todos somos pecadores. Caso tenhamos alcançado uma vida nobre distinta da maioria dos pecadores, não podemos negar que, em nossa ascendência há todo tipo de pecado, portanto, não há lugar para orgulho. Como bem disse Paulo: “quanto a mim, que eu jamais me glorie, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio da qual o mundo foi crucificado para mim, e eu para o mundo” (Gl.6.14). Nossos méritos devem ser colocados como gratidão, jamais como colocação comparada com outros, porque todos são pecadores.

Deus decidiu enviar Cristo ao mundo para ser um adotivo, para também nos adotar em sua família. Depois da conversão, Deus nos assume em Cristo, nós, pecadores de todos os tipos. E a genealogia de Jesus nos ensina que Deus escolheu pessoas perdidas e rejeitadas para manifestar sua graça.

E, no testemunho de José e Maria temos a certeza de que, como o Espírito fez a eles, fará conosco também, nos convencendo e nos conduzindo à uma vida obediente. E, sem questionar o porquê fomos escolhidos, devemos nos alegrar por hoje vivermos uma vida elevada nesse mundo. Poder ouvir a voz do Senhor e participar de uma obra de redenção é maravilhoso. Os filhos de Deus podem ter certeza de sua salvação por todos os frutos de arrependimento, temor, reverência, adoração e obediência em suas vidas.

Embora alguns se ressintam do monergismo aqui apresentado, supondo ser um delírio que essa vida sob a soberania divina, os cristãos acreditam o contrário. A fé não reduz a vida humana a um fatalismo ou determinismo. A prova disso é a realidade da própria vida com suas contingências, na qual qualquer pessoa inteligente não ousaria dizer que Deus nos prendeu num viveiro e controla todas as nossas ações. Depois de séculos de história em que Deus permitiu o ser humano tentar todas as formas viver algo alternativo fora de sua vontade de Deus, podemos dizer que o mundo de Deus é real e não uma ilusão controlada por Ele. E, Ele não pode negar a si mesmo, pois tão as coisas que existem, nele acontecem e se movem.

Mateus capítulo 1 é um convite para o estudo no qual temos profundas lições. Oferecemos aqui um lampejo do que poderia ser uma análise acurada da genealogia. Também oferecemos perspectivas de como os eleitos se comportam e encontramos o modelo de vida nobre no comportamento de José e Maria, que não se deixaram reduzir por essa vida e suas realizações, mas, pela fé se entregaram a Deus.

ACÚMULO DA VIDA

Paulo Zifum

Quantidade excessiva só é justificada em certos lugares onde ninguém deseja aproveitá-la ou onde a abundância é necessária para realizar algo extraordinário, como no caso dos espermatozoides¹. Fora desses casos, o excesso desiquilibra a vida. Ter coisas em excesso, reter coisas em excesso, administrar coisas em excesso, sentir coisas em excesso, desejar em excesso, trabalhar em excesso, descansar em excesso, comer ou beber em excesso, tudo demais pode tornar a vida leve ou pesada demais.

Sobre o mal que faz a si
O mundo de excessos deixa as pessoas exaustas. Palavras demais, estética demais, sociabilidade demais, responsabilidades demais, cobranças demais, por fim adoecem a alma. E nesse círculo, a ansiedade toma conta de ricos e pobres. O mundo empurra para a sofisticação, e sem perceber, milhões sacrificam suas vidas por excesso de segurança e conforto, mas pouco é necessário. E como há estímulo por coisas, coisas e coisas, há falta de contentamento e uma atroadora sensação de vazio com celeiro, garagem e barriga cheia. Tem gente que é amada pelos seus, mas deseja o afeto de todos. É um excesso, uma insanidade desejar o amor de todos. Não é saudável querer a aprovação de todos. E pode ser perigoso ter tudo em excesso.

O acúmulo é algo que pode ser procurado como ser deixado que aconteça. É possível acumular justificando que será gerada algum tipo de riqueza, mas se esse acúmulo não produzir bens coletivos, por fim será um grande desperdício. E quem deixa as coisas se acumularem sem se importar, podendo distribuir aos que necessitam, contribui para que a vida humana seja desequilibrada.

Por isso, a Bíblia nos ensina: “lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás.
Reparte com sete, e ainda até com oito, porque não sabes que mal haverá sobre a terra (Ec.11.1-2). Esse “mal que haverá sobre a terra” pode ser uma guerra, uma pandemia, uma tragédia. Nesse dia, os acumuladores reterão porque não se importam em ter em abundância, mas os que compreendem que não precisam ter em excesso, serão úteis em repartir. Muito dos males que há no mundo podem ser resolvidos se os que tem demais estenderem a mãos aos que nada possuem.

Alguns são tão ricos que se repartirem metade de seus bens, ainda assim teriam em excesso. Mas, é salutar esvaziar um pouco nossos guarda-roupas, armários e contas para causar um certo nível de escassez. Repartir a fama, dar a outro a glória, é uma benção que pode ser causada. E, se abrir mão das coisas é a contramão de nossa natureza egoísta, então, é nessa pista que os cristãos devem seguir.

¹Tanto na natureza como em testes científicos é preciso uma quantidade abundante de recursos para realizar uma única obra. Por exemplo, ao ejacular, o homem expele o esperma (fluido seminal com a aparência leitosa) carregado com aproximadamente 50 milhões de espermatozoides. Esses espermatozoides, uma vez introduzidos na vagina da mulher, tentam fecundar o óvulo. Apenas alguns chegam até o óvulo, mas a fecundação só pode ser feito por um ou dois e, esse momento é um evento extraordinário.

MANUTENÇÃO DO CASAMENTO

Paulo Zifum

Depois de um trauma por ameaça de divórcio, seja perda do encanto e respeito, por ofensa grave ou traição, o casamento socorrido e estabilizado, deve receber cuidados de manutenção. Infelizmente, as pessoas tratam os problemas conjugais como lidam com sua própria saúde, pois passando a dor e o perigo, voltam a cometer os mesmos desleixos anteriores.

O casamento que foi atingido por pecados constantes ou graves num único ato, sofre sequelas. Depois de uma queda, casais se levantam, mas tratamentos são necessários. Pode estar tudo bem, mas há um tipo de “lei da gravidade” que puxa o casamento para baixo. Por isso, a sabedoria sugere aos casais acidentados façam a manutenção do amor que, por ser pequeno, falhou. E o lapso do passado por falta de atenção, esforços e sacrifícios, pode acontecer de modo pior novamente, pelas mesmas negligências.

Seguem sugestões de manutenção:

1-Converse sobre o tema amor, sondando se o outro sente-se amado. Alguns casais “não falam de amor quase nada”. Não é necessário perguntar “você me ama” ou “você sente que eu te amo”, mas o assunto pode esclarecer.
2-Pergunte intencionalmente: o que você quer que eu faça? Essa pergunta perigosa deve ser feita de tempos em tempos. Uma esposa precisa da oportunidade de falar abertamente e o marido também. Mas, não faça essa pergunta se você não estiver, realmente, com disposição de atender.
3-Relembre, apenas consigo mesmo, o que levou seu casamento a sofrer no passado. Esse exercício é, em si, uma manutenção. Verifique se seus sentimentos de memória são humildes. Pessoas humildes fixam mais em suas falhas e reconhecem seus erros. Pessoas duras de coração registram na memória o mal que fizeram a elas. Não é difícil saber se você é uma pessoas humilde ou dura, basta revisitar lembranças do passado. Essa manutenção te ajudará a saber se ainda falta curar algo. Pode ser que, a memória te levará a uma profunda gratidão pela segunda chance de recomeçar.
4-Depois de um trauma, algumas áreas do casamento ficam mais sensíveis. Note se nessa área você tem dado “esbarrões” com palavras e atitudes. É possível abrir uma “cirurgia” com formas descuidadas de trato. Aceite que há assuntos que seu cônjuge não tem estrutura para administrar, portanto, cabe a você contornar e evitar. Melhor ainda é pensar que seu cônjuge vai precisar, nessa área, de cuidados especiais para sempre.
5-Procure ajuda pastoral imediatamente, caso perceba sintomas de novas ameaças. O casamento manda sinais quando está doente. Quando surgir uma atmosfera esquisita, não ignore. É melhor examinar e se aconselhar.
6-Renove sua aliança nos aniversários de casamento. Alguns casais são mais animados a comemorar festa de filhos que do próprio matrimônio do qual originou a prole. Celebre seu casamento e não espere que ele esteja efusivo ou excitante, mas planeje algo especial para que a relação seja elevada, encorajada. Casais que fazem isso, descobrem o quanto estão desperdiçando. E não precisa ser uma viagem para ?Veneza na Itália, pode ser uma volta no quarteirão para tomar um café ou sorvete, contanto que seja planejado, combinado, porque coisas simples também podem ser mágicas.
7-A ultima dica e mais importante: Ore por seu cônjuge. Somente Deus pode consertar o coração e curar a memória. Se foi você que causou o “acidente” ore intensamente. Se você sofreu a ofensa, ore para que consiga amar mais do antes, porque o amor é necessário exatamente quando as pessoas falham.

FASCISMO À VISTA

Paulo Zifum

O fascismo pratica a intervenção do Estado com invasão em todos os setores, anula o direito da propriedade privada e sua autonomia. Após aparelhar os poderes Legislativo e Judiciário ao Executivo, exige subordinação seja da maioria ou minoria que não venham consentir. O fascismo controla a educação e os meios de comunicação condenando a pluralidade de ideias, maximizando a propaganda do Estado para difundir ideologia oficial às massas. Com apelo à vitimização de minorias, ao sentimentalismo e ao imaginário popular, o Fascismo usa métodos de manipulação e de censura. O fascismo anula as liberdades individuais para oferecer segurança nacional, usa propaganda política maciça, exerce censura e faz uso de repressão com perseguições e prisões arbitrárias. Os partidos políticos fascistas impõem, em coalizão, um discurso único, criam narrativas de que seus opositores são antidemocráticos e que, somente eles, possuem virtudes sociais adequadas.

A DÓ DE SI (efeitos colaterais)

Paulo Zifum

Sentir pena de si mesmo é algo perigoso, diferente do amor próprio. A autocomiseração ou vitimização é uma distorção da realidade própria dos covardes. Por isso, Jesus reagiu por duas vezes contra os que sugeriram a ele esse sentimento rastejante (Mt.16.21-24; Lc.23.27-29), pois quando estamos fragilizados, pessoas bem intencionadas podem estar malignamente agenciadas para nos deixar mais fracos. Porque quem sente dó de si perde o senso de luta, perde a noção de suas culpas e cai nos laços do diabo que nos espreita desde o Éden para nos fazer culpar Deus e o mundo por nossos infortúnios. E, sem exceção, todos que sentem dó de si mesmos, antes sentiram serem merecedores de muitos respeitos e honras. Os acometidos pela pena de si sempre acham possuírem créditos, de modo que todos ao redor lhes devem alguma coisa. Esse sentimento é um pecado perigoso porque nos afasta da humildade, do verdadeiro amor próprio e nos empurra aos desejos de vingança.

Os cristãos são encorajados a cada um tomar sua cruz numa renúncia voluntária do ego. Não um masoquismo, mas um exercício espiritual coerente com as confissões feitas ao pé da Cruz de Cristo. E ali, diante do Deus que tudo vê, que reconhecemos pecados secretos que as pessoas desconhecem. Desta forma, não há espaço racional para sentimentos de dó de si, mas prevalece o discernimento de que as afrontas e injustiças precisam ser primeiro aproveitadas para o crescimento espiritual e fortalecimento das fibras morais. E, parece ser esse o conselho do profeta Jeremias no texto abaixo:

O Senhor é bom para os que dependem dele, para os que o buscam. Portanto, é bom esperar em silêncio pela salvação do Senhor. É bom as pessoas se sujeitarem, ainda jovens, ao jugo de sua disciplina.
Que permaneçam sozinhas e em silêncio sob o jugo do Senhor. Que se deitem com o rosto no pó, pois talvez ainda haja esperança. Que deem a outra face para os que os ferem e aceitem os insultos de seus inimigos. Pois o Senhor não abandona ninguém para sempre. Embora traga tristeza, também mostra compaixão, por causa da grandeza do seu amor”
Lamentações 3.25-32

E esse conselho não serve apenas para os que são tentados a sentirem pena de si, mas para todos que quando estão diante dos que sofrem, tendem a fazer afagos que induzem a pessoa a ter pena de sí. Ora, são suspeitos os consolos que sempre excluem a Cruz. Devemos chorar com os que choram, mas não desviar as pessoas de serem fortes com palavras próprias de coitadismo. O foco não deve estar no sofrimento ou quem o causou, mas naquilo que Deus deseja fazer por meio daquilo.

Não tenha pena de si.
Não deixe que te afaguem penas tais
Humilhe-se e diga:
Bendito seja o nome do Senhor!
Levante-se e diga:
Seja feita Tua vontade!
Se alguém insistir com pena
Diga com firmeza:
Arreda de mim, Satanás
que se esconde por trás
Só pela Cruz sentirei orgulho de mim.