O PREÇO DO AMOR

Paulo Zifum

“Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do Senhor prosperará nas suas mãos. Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si. Por isso, eu lhe darei muitos como a sua parte, e com os poderosos repartirá ele o despojo, porquanto derramou a sua alma na morte; foi contado com os transgressores; contudo, levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu” Isaías 53:10-12

A profecia de Isaías, escrita 700 anos antes do Filho de Deus nascer, antevia sua morte vicária. Jesus, antes de sua morte, se entregou ao Pai dizendo: “seja feita a tua vontade”, sabendo que o Pai o sacrificaria. E Isaías não apenas profetizou os detalhes da morte do Senhor, mas nos apresentou a relação de amor do Pai e do Filho para com a humanidade. E em seu Evangelho, João confirma dizendo que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu filho unigênito” (Jo.3.16).

Agora, não é tão fácil compreender o “todavia, ao Senhor agradou esmagar seu filho”. O que Isaías quis dizer com isso? Existe uma história que ilustra um pouco esse sentimento demonstrado na Cruz, que diz:

Havia um jovem brilhante chamado Fiodor. Ele e seu amigo Trotsk cursavam em Kiev a mesma faculdade e repartiam juntos, não apenas o dormitório mas todas as coisas. Era uma amizade profunda que superava os laços de sangue. No fim do curso, Trotsk veio a adoecer com insuficiência renal. Para Fiodor, as visitas ao hospital vendo seu amigo cada vez mais debilitado, o deixavam abatido a ponto de não conseguir estudar. Fiodor decidiu viajar de volta para casa e conversar com seu pai. O Dr. Dimitri era um médico cirurgião renomado em Dnipro. Levou consigo todos os exames que Trostk tinha feito e os apresentou ao pai, que não escondeu a perplexidade com o estado do pobre rapaz. O pai disse: -filho, eu te conheço e sei que você não veio aqui apenas me mostrar os exames-. Fiodor declarou: -estou decido a doar meu rim para meu amigo-. O pai não lhe disse nada naquele dia e passaram o fim de semana em confraternização com a família. Na segunda, o pai levou Fiodor para seu consultório e lhe explicou que mesmo os exames preliminares de compatibilidade sejam positivos, o arriscado transplante pode não dar certo. Os dois se abraçaram e Fiodor voltou para buscar seu amigo doente. Ao chegar em Kiev, Fiodor contou ao amigo que seu pai, Dr. Dimitri, havia conseguido um doador. Trostk chorou copiosamente e que tinha que partir imediatamente para Dnipro. Foi uma viagem silenciosa, pois os dois amigos sabiam que tudo aquilo fazia um sentido além das palavras. Quando tudo estava pronto para a cirurgia, o Dr. Dimitri e, ao ver seu filho acalmando o amigo, saiu da sala de cirurgia e demorou voltar. Um dos médicos auxiliares, ao achá-lo chorando na sala de esterilização, perguntou: -Dimitri, você está trsite? Você não é obrigado a fazer esse sacrifício por um desconhecido-. O doutor enxugou as lágrimas e respondeu: -Não! Estou muito emocionado. Estou orgulhoso de saber que meu filho se tornou essa pessoa maravilhosa que ele é. Farei a cirurgia desses meus dois filhos, pois já adotei esse rapaz em coração-. Em poucos dias os dois jovens estavam recuperados e não houve rejeição do órgão transplantado.

O amor de Deus por nós demonstrado na morte de Jesus no Calvário é insondável. E quando a Escritura diz que o Pai se agradou no sacrifício não significa que não lhe custou, mas que o ato redentor era a coisa mais importante a ser feita.

O MUNDO VAI ACABAR

Paulo Zifum

Entre os temas mais excitantes da literatura e dos filmes, o fim do mundo é destacado. Basicamente, todas as possibilidades já foram exploradas como catástrofes naturais, uma guerra mundial insana e invasão alienígena. Quem semeou essa ideia no ser humano? Talvez, sua noção de fragilidade unida ao desejo de sobrevivência.

E o que entretenimento causa nas pessoas, além de excitação? Absolutamente nada. Ninguém muda de vida após ver um filme sobre o fim do mundo. E, infelizmente, os religiosos quando falam muito sobre o juízo final, podem causar o mesmo vácuo de reação que a ficção oferece.

O mundo vai acabar. E saber disso não moraliza a vida humana. Não é a expectativa do fim que muda os corações. E sabemos disso porque a humanidade, mesmo depois de sobreviver a diversas tragédias, continua no mesmo curso rebelde e egoísta.

Não somos mudados por ter a informação do fim. Há esperança de sermos transformados quando entendemos por quem a para quem fomos criados. Não é a revelação do fim que muda o curso de nossa história, mas a descoberta do propósito de nossa vida. Quando entendemos que Deus nos criou e nos oferece um relacionamento com ele por meio de Jesus Cristo, não é mais o fim do mundo que importa e sim o dia em que poderemos conhecê-lo como somos conhecidos. Não é o medo do fim que nos faz ficar sóbrios, mas entender nossa origem e nossa eternidade.

CONHECI O PECADO

Paulo Zifum

“Mas o próprio Jesus não confiava neles, porque conhecia a todos. E não precisava que alguém lhe desse testemunho a respeito das pessoas, porque ele mesmo sabia o que era a natureza humana” João 2.24-25

Um homem veio em minha casa. Eu sabia que seu casamento estava em vias do divórcio. Ele queria verificar se eu sabia de alguma calúnia dita a seu respeito. Eu tinha intuições sem evidência, portanto disso que nada havia escutado. Ele continuou negando haver traído sua esposa e eu disse que acreditava nele. Depois de esclarecido o que o afligia, comecei a discursar sobre o que é o casamento aos olhos de Deus. Falei a ele sobre o mistério de Cristo e a Igreja e como a relação marido-esposa foi criada para ser uma bela alegoria da história da redenção. Disse ao homem que eu fui testemunha do dia em que ele prometeu permanecer casado até que a morte os separasse. Exigi que ele cumprisse sua promessa, mas aos poucos fui percebendo que ida dele à minha casa foi apenas para proteger sua imagem. Ele estava decidido. Supliquei a ele que um divórcio naquela circunstância onde sua esposa atravessava grave a luta contra o câncer seria um escândalo. Ele alegou se sentir sozinho por sua esposa não acompanhá-lo na vida comum. Fiz severas exortações a ele quanto às responsabilidades do homem como líder e que ele deveria assumir a culpa das coisas terem tomado o rumo que tomaram. Mas, eu estava diante de um narcisista. Ele não disse uma palavra sequer de lamento ou admitiu a feiura de seu comportamento. Após aquela conversa, ele conseguiu o divórcio rapidamente e dois meses depois estava namorando a mulher envolvida no caso que seria calúnia, mas provou-se apenas uma verdade.

Durante anos cuidando de pessoas todos os dias, passei a observar como o pecado danificou a todos nós. E foi nas conversas que travei com aconselhados que percebi a gravidade do dano, pois me via com frequência numa “dança do urso” escutando gente disposta a cobrir e negar seus erros. E os esforços de criar narrativas para acusar o outro tornava tudo muito constrangedor. É humilhante como a maioria de nós se mantem ignorante da real situação enquanto nos vemos enlaçados numa rede de mentiras e enganos.

Os pecadores acham que estão certos na maioria das situações ruins. E há tanta injustiça no mundo que temos a impressão de somos os mais justos comparando com o todo, não acreditando que somos a soma desse produto. E há uma distorção em quase todo o sistema de pensamento, tornando a natureza humana não confiável no sentido de suas conclusões sobre o bem e o mal, o bom e o ruim, o certo e o errado.

E o que dizer da maldade? Quantas vezes cuidei de pessoas que fazem o mal sabendo o que estão praticando. Mas, o que detectei é que muitos fazem coisas ruins sem a certeza de que estão cometendo alguma maldade. É comum coisas ruins serem feitas por gente que acha que não fazem nada de tão mal. São as precipitações, negligências e omissões que causam tanto sofrimento na vida coletiva. E quando esses atos suspeitos são somados aos praticam males com dolo, todo o horror é potencializado no mundo.

Esmolas podem ser dadas aos pobres, mas a pena soma à falta de encorajamento nunca devolverá a dignidade. As “bondades” da filantropia podem ser apenas meios de aliviar a consciência culpada dos ricos. Quando ativistas dizem que os ladrões são vítimas de uma sociedade opressora, alimentam um tipo de injustiça. Quando um político populista usa o dinheiro público para dar conforto sem responsabilidade fiscal ou sustentabilidade econômica, cria uma falsa sensação de segurança, que é um tipo de maldade. Quando grupos fazem discursos igualitaristas, sem intenção deflagram todo tipo de desigualdade. Pais exigem que a escola se adapte a seus filhos, oprimindo profissionais da educação. Escolas exigem que os pais aceitem tudo que o currículo lhes impõe, esvaziando o poder da família. Mesmo sem intenção, há uma diversidade de injustiça e maldade feita por gente sem noção.

Ora, não é preciso ser um vidente para prever que a soma da culpa e do dolo resultará num grande desastre, com milhões de pessoas impotentes diante da marcha do mal.

Conheci o pecado, pois mesmo tendo certeza de fazer o que é certo, tive dúvidas se fiz do modo certo com motivações corretas. É um sobressalto saber que o bem e o mal estão misturados em nosso comportamento.

Em minha trajetória de conselheiro, conheci poucas pessoas cuja a intenção era fazer o mal a seu próximo. A maioria o faz enquanto busca paz pessoal e felicidade, enquanto tenta ser importante ou mostrar que está mais certa e todos estão errados. E ainda existem aqueles que acionam o modo “serei infeliz e todos terão que lidar com isso”. O pecado é assim: ou sabotamos a vida de alguém ou nos auto sabotamos.

A ajuda controladora feita por uma mãe ou a indiferença requintada de um ex-amigo, são maldades. Cônjuges que querem sexo em demasia ou ou excessiva privação, criam um inferno psicológico sem se darem conta. A falta de respeito constante entre pais e filhos ou o tratamento frio no ambiente de trabalho são maldades cometidas todos os dias.

O Senhor nos disse que “por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase todos” (Mt.24.12), ou seja, a falta de amor é indicador que a maldade se alastra no dia a dia sem que as pessoa notem o quanto estão sendo maldosas.

Conheci o pecado ouvindo milhares de pessoas e assistindo suas ações e decisões. Mas, foi comigo mesmo, e não com elas, que fiz minha maior descoberta. Agora, depois do cinquenta anos, entendi o que Paulo quis dizer ao declarar-se “o pior dos pecadores” (1Tm.1.15). Percebi a maldade dentro em mim, o desejo de supremacia ou vingança, são pecados que se escondem nas intenções inocentes. O desejo de acertar as coisas está misturado à autopromoção.

Depois que tomei conhecimento dessa verdade, passei a sentir vergonha de quem sou, o que favoreceu-me corrigir minha autoestima. Esse saber trouxe equilíbrio porque não me acho um miserável total, apenas percebi que o pecado em mim ameaça invalidar todos valores que tento preservar. Essa condição é um estado permanente de miséria. Tantas vezes senti raiva julgando segundo a aparência. Pessoas me engaram ao serem rudes quando tinham corações melhores que o meu. Fui enganado por gente delicada com as quais fui indulgente quando deveria tê-las resistido. Cometi injustiças com pessoas destemperadas apenas por serem como são.

Conheci o pecado nos aconselhados e em mim conselheiro. E por mais que um conselheiro use a infalível Palavra de Deus como guia de análise do pecado, deve manter-se sob as tradições para evitar a heresia de manipular textos sagrados.

O pecado nos tira a certeza, embora haja um tipo de segurança pessoal. Por isso, é bom manter o seguinte equilíbrio: “mui pouco se me dá de ser julgado por vós ou por tribunal humano; nem eu tampouco julgo a mim mesmo. Porque de nada me argui a consciência; contudo, nem por isso me dou por justificado, pois quem me julga é o Senhor” (1Co.4.3-4). Aqueles que, de fato, conhecem a extensão do pecado, sabem da humildade que devem manter.

Conheci o pecado em suas diversas manifestações. Esses dias vi uma moça com uma deficiência cognitiva. Ela tinha pequenas distorções no rosto e nos dentes. Pensei: “num mundo viciado em estética, não poderíamos nos unir e dar àquela moça e à sua família um tratamento que melhore sua aparência?” Não! Gastamos tudo com a nossa beleza. Tudo. O pecado nos deixou deficientes. Somos egoístas de um jeito muito sutil.

Conheci o pecado em tantas matizes que hoje entendo o que significa “não há um justo sequer, todos se extraviaram” (Rm.3.10-16).

VICENTE MENINO

Paulo Zifum

Meu pai foi um homem nobre, desde menino. Com 9 anos de idade foi candeeiro na fazenda do Dr. Mário que ficava na cidade de Raul Soares, Minas Gerais. Guiar uma junta de bois (4 cangas= 8 bois) que puxava um carro que cabia 10 sacos de milho, era um serviço perigoso para uma criança, mas Vicente era uma menino valente e muito responsável. Nesse trabalho o menino ganhava, na época, 1.000 réis por dia, que era uma quantia considerável para uma criança.

O pai de Vicente, José Leite, trabalhava na lavoura de café dessa mesma fazenda. Quando o menino fez 10 anos, o pai o levou para capinar o mato e Vicente surpreendeu. O menino trabalhava o dia inteiro e o capataz continuou pagando a ele os mesmos 1.000 réis. José Leite, vendo que o menino trabalhava quase igual a ele, foi até o doutor solicitar que Vicente recebesse o salário de um homem. O reconhecimento veio e o menino-homem passou a receber os merecidos 2.000 réis por dia.

CINGIR OS LOMBOS

Paulo Zifum

A expressão “cingir os lombos” se refere a amarrar a túnica, para que todo o pano ficasse acima dos joelhos, a fim de que a pessoa pudesse correr (1 Reis 18.46; 2 Reis 9.1), trabalhar (Lucas 17.7) ou lutar. Naquela época não tinham os recursos de hoje como a calça ripstop que deixa a pessoa pronta para tudo, então, usavam um cintos de linho para adaptar a vestimenta. No caso da armadura romana mencionada por Paulo em Efésios 6.14, se caísse o cinturão, essencial para formar a armadura, o soldado estava vulnerável. Portanto, “cingir os lombos” significa uma postura proativa como sinal de prontidão.

Certa vez, eu estava oficiando uma cerimônia de casamento ao ar livre, quando a chuva desabou no local. Eu e os noivos corremos para um abrigo. Notei que todos os convidados fizeram o mesmo, enquanto um pequeno grupo de homens e mulheres salvavam toda a decoração e mobília, levando tudo para o auditório coberto. Esses voluntários eram homens que tiraram seus ternos e sapatos, levantaram as calças pisando na lama. Entre eles estavam mulheres descalças com vestidos amarrados na lateral abaixo da cintura. Eles não apenas apenas transportaram tudo, mas ajudaram a organizar o novo local para que a cerimônia fosse retomada. Eram pessoas especiais que abriram mão da beleza, pois a razão de estarem ali não era para desfilar ou apenas desfrutar de uma festa. Estavam dispostos a fazer de tudo para que aqueles noivos não fossem frustrados. Normalmente, esse tipo de gente, se importa mais em servir que serem servidos. Veja o exemplo de nosso Senhor:

¹ Um pouco antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que havia chegado o tempo em que deixaria este mundo e iria para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.² Estava sendo servido o jantar, e o diabo já havia induzido Judas Iscariotes, filho de Simão, a trair Jesus.³ Jesus sabia que o Pai havia colocado todas as coisas debaixo do seu poder, e que viera de Deus e estava voltando para Deus;⁴ assim, levantou-se da mesa, tirou sua capa e colocou uma toalha em volta da cintura.⁵ Depois disso, derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos seus discípulos, enxugando-os com a toalha que estava em sua cintura […] ¹² Quando terminou de lavar-lhes os pés, Jesus tornou a vestir sua capa e voltou ao seu lugar. Então lhes perguntou: “Vocês entendem o que lhes fiz?¹³ Vocês me chamam ‘Mestre’ e ‘Senhor’, e com razão, pois eu o sou.¹⁴ Pois bem, se eu, sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar os pés uns dos outros.¹⁵ Eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz.¹⁶ Digo-lhes verdadeiramente que nenhum escravo é maior do que o seu senhor, como também nenhum mensageiro é maior do que aquele que o enviou.¹⁷ Agora que vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem”. João 13:1-17

O que Jesus fez foi “cingir os lombos”. Ele assumiu a posição de servo e nos ensinou que essa é a postura de uma vida que faz sentido. O mundo já tem muitos “senhores”, o que ele precisa é de servos. É admirável ver crianças que “cingem os lombos” desde pequenas e como chama atenção jovens que se voluntariam a ajudar os outros. O que seria do mundo sem as pessoas proativas que estendem a mão renunciando conforto, vagas por direito, recursos materiais, sendo capazes até de doar um órgão vital como um rim?

Desejo viver minha vida com meu “cinto” sempre à mão. Onde for preciso, não havendo quem o faça quero ajudar. Estou disposto para somar, aliviando outros para que não sejam sobrecarregados. Estarei “cingido”, pois quero que Deus conte comigo.

Naquela tarde chuvosa, fiquei olhando para os convidados. A maioria estava muito bem vestida e arrumada. Mas entre eles tinham alguns “que nem um pinto molhado”. Eram mulheres com cabelos lambidos e maquiagem borrada e homens com roupa molhada e desalinhada. Eles me pareciam os mais belos da festa.

O TEMPO QUE RESTA

Paulo Zifum

Existem pessoas que sabem viver. Aqueles que aprenderam a desfrutar dos encontros e conversas, valorizando os momentos curtos, são sábios. E o tempo que resta deve ser gasto com pessoas, para dizer “eu gosto de você” ou “me ensine isso” ou “posso te ajudar”. Sem pânico e sem olhar para a areia do tempo, aproveite os últimos grãos.

QUANDO SEI QUE TERMINEI

Paulo Zifum

Uma das angústias da vida é não saber quando as fases foram concluídas. A gente deseja aquela paz do dever cumprido. Mas, o que insiste é uma estranha sensação de culpa.

Eu deveria ter feito mais? Teria conseguido ser melhor? Nunca é suficiente. E, assim, a gente morre frustrado por não terminar quase nada.

“Senhor, abre meus olhos para que eu compreenda o que foi feito e o que está inconcluso. Ajuda-me a celebrar e descansar de minhas fadigas, porque há tanto que foi feito que ficou bom. Para glória do teu nome. Amém”

TRISTEZA COLORIDA

Paulo Zifum

É melhor que sua tristeza não seja de uma cor só, seja qual for o tom. Uma tristeza baseada em uma razão apenas acaba se tornando tema de tudo. E a vida monocromática é triste demais.

Por isso, é importante reconhecer as diversas cores de uma tristeza. E não apenas saber, mas de certa forma, manter. Porque tem gente que vai com raiva, mexendo com mágoa ou ódio, até sua tristeza não ter mais matizes. Que triste!

É preciso manter uma certa originalidade da feiura. Pois, existe a arte de viver na qual se aprende a manipular os elementos com cuidado. E a pressa de se livrar de uma tristeza a precipita que se torne permanente.

É necessário manter as contas cores. Assim como a música é composta por notas musicais e os perfumes por notas olfativas, a tristeza é uma tela de cores que precisa ser observada. E se não for possível entender ou mudar, então, é melhor que a tristeza seja moldurada e encaixada no contexto da vida. Seja pequena ou grande, é melhor que tenha cores para se pensar nas razões e até benefícios.

CORES DO PASSADO
Eu mesmo, tenho tristezas do passado que decoram a parede da minha memória. Passei da fase de negar, culpar outros ou ressignificar, o que era um exercício cansativo e inútil. Nada aprendi nos tempos que pensava de mim além ou aquém. Mas, a vida passou ser mais saudável no momento em que comecei a chamar a tristeza pela nome e diferenciá-la por suas cores.

CORES TRISTES DOS AMIGOS
Também me tornei um amigo melhor ao ser mais humano apenas ouvindo e concordando com o lamento. A sensibilidade de “chorar com os que choram” é para os que desistiram de ficar tentando consertar tudo. Deixei de analisar a tristeza alheia como um problema a ser resolvido, pois na maioria das vezes, quem se apressa a dizer “não chore” é um egoísta que não suporta estar ao lado de gente triste.

ÁLBUM COLORIDO
Aprendi a aceitar que a vida tem um álbum de tristeza com mais fotos que gostaríamos de arquivar. E, hoje, eu posso abrir esse álbum e ver imagens das conclusões e lições que tirei. Quem se desespera, da tristeza cria um borrão que não se apaga. Se esforce para manter o colorido das possíveis razões e perspectivas válidas.

Coloque sua tristeza na melhor luz possível. Coloque as pessoas na melhor luz possível. Perdoe que te entristeceu e aceite as “cores nubladas”. Confie que Deus disciplina para aproveitamento. Se não puder entender, se desconfiar que tudo é em vão, mesmo assim, não faça de sua tristeza um borrão. Se tiver dificuldade, consulte um amigo sábio ou um conselheiro experiente para que te ajude. Preserve as cores e deixe que Deus as recomponha, se assim ele quiser.

O JEJUM

Paulo Zifum

¹ Então Jesus foi levado pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo.² Depois de jejuar quarenta dias e quarenta noites, teve fome.³ O tentador aproximou-se dele e disse: “Se você é o Filho de Deus, mande que estas pedras se transformem em pães”.⁴ Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus’”. Mateus 4:1-4

sítio teológico1 de Mt.4.1-11
Após tratar da divindade de Cristo no capítulo 3 com a manifestação da trindade no batismo de João, o Mateus trata da humanidade de Jesus e sua dependência do Espírito Santo. Como homem, ele deveria ser provado. Há uma clara repetição do que ocorreu no Éden em Gn.3, com destaque nos contrastes. Enquanto no Éden, o homem estava no jardim perfeito, agora Cristo está no deserto, que representa o lugar espiritual para onde o pecado levou os pecadores no qual Satanás reina. Satanás não é um fábula, ele é uma pessoa real, e embora muitas vezes use alguma agência ou disfarce como no Éden, no deserto com Cristo ele mostra-se como é. No Éden, o diabo vence o primeiro Adão, no deserto, o segundo Adão que é Cristo vence o diabo. No Éden, o ser humano mostra sua necessidade de provar algo para definir sua identidade, ser espetacular como Deus e se inclina para adorar a criatura no lugar do Criador. No deserto, Cristo mostra que os filhos de Deus tem identidade segura na suficiência divina e resistem a idolatria e as facilidades desse mundo. Portanto, o registro da tentação de Cristo tem como prioridade nos mostrar que Cristo venceu o diabo, a carne e o mundo. Ele é o Salvador vitorioso capaz de nos fazer vencer com ele. Uma vez que a mensagem primária esteja clara, é necessário destacar que o assunto do jejum destacado no texto é uma disciplina a ser seguida pelos filhos de Deus.

O JEJUM DE CRISTO
O jejum do Senhor descrito em Mt.4 não era uma busca por livramento ou algum tipo de conquista, mas uma consagração. O jejum fazia parte da vida religiosa dos judeus (Lc.5.33-39; 18.9-17) e, provavelmente, Jesus seguia essa prática. Isso no faz pensar que o extenso jejum de 40 dias era um desafio para o qual Cristo estava preparado. Um tempo de jejum tão extenso não poderia ocorrer em meio à atividades normais, cercado de distrações e com fácil acesso aos alimentos. O deserto era um local ideal para o preparo espiritual do ministério profético, e foi nesse ambiente que João Batista, primo de Jesus, iniciou como profeta (Lc.1.80; Mt.3.3).

Diferente de João, Jesus estava no deserto para ser tentado pelo diabo. Satanás, sabia que havia chegado a hora de Jesus assumir seu ministério público e era de se esperar que o diabo tenha feito o pedido de “peneirar” o Filho de Deus (Lc.22.31-34). O deserto foi a arena escolhida para essa batalha espiritual. Satanás, o mestre da dúvida, desde o Éden questiona os filhos de Deus em seus esforços religiosos tentando precipitá-los à alguma ação autônoma sem Deus. O diabo insinua que “o homem dará tudo que tem por sua vida” (Jo.2.4), ou seja, ele acha que o maior interesse humano não é a pessoa de Deus e sua glória, mas receber algo em troca num impulso egoísta.

Depois de 40 dias, Jesus estava pronto. E foi no momento mais severo, quando estava muito fraco e com fome, que Satanás oportunamente aproximou-se com a mais sutil das tentações: tomar algo necessário e legítimo na hora errada e de forma pecaminosa. Jesus, vigilante e sóbrio, percebeu que Satanás estava sugerindo a ele um ministério no qual usaria seus poderes para satisfazer-se. Mas o Senhor estava disposto a esperar que, como Elias foi suprido no deserto (1Rs.17.5-6), ele seria socorrido pelo Pai. O teste maior não era ficar sem comer, mas provar que seu ministério seria sustentado e centrado em Deus.

PORQUE DEVEMOS JEJUAR
Diante do exemplo do Senhor, parece natural que os seguidores de Cristo também serão guiados pelos Espírito Santo os “desertos” para passarem por suas provas de fidelidade a Deus. É claro que não podemos tentados em todas coisas como Cristo foi (Hb.4.15), mas Deus, de tempos em tempos, vai permitir que Satanás venha nos peneirar.

O Espírito Santo nos leva ao deserto, mas somos nós que, voluntariamente devemos iniciar o jejum de consagração para submeter nosso corpo, mente e coração a Deus. Os filhos de Deus, como Jesus, devem esperar que haja um esclarecimento sobre o propósito de Deus para suas vidas. Não estamos nesse mundo apenas para passar por ele, mas para cumprir a missão que o Senhor tem para cada um de nós. Nessa busca para fortalecer nossa vida espiritual estaremos mais próximos do Senhor e, portanto, mais prontos estaremos para vencermos o diabo, a carne e o mundo.

Essa vitória, porém, não pode ser obtida pela jejum em si, como ato religioso. Os filhos de Deus vencem o pecado porque assumem postura penitente. Durante o jejum é de se esperar que o primeiro resultado seja o quebrantamento e a confissão qualificada do pecado. Há consciência da vida carnal que nos empurra a sermos “mais amigos dos prazeres, que amigos de Deus” (2Tm.3.4) e no jejum percebemos nossa dificuldade em deixar os deleites da comida e da bebida. Muitos pecados podem ser descobertos, vaidades e devaneios, impurezas e até maldades que se escondem, podem vir à tona. O jejum é tempo de pedir perdão.

E essa disciplina de abrir mão voluntariamente dos prazeres do corpo é um domínio próprio que nos prepara para enfrentar as tentações que virão. Essa foi a razão porque Jesus disse a seus discípulos para se exercitarem em oração: a carne é fraca (Mt.26.42) e reduz nossa vida às coisas materiais. Enquanto Satanás quer nos viciar na gratificação imediata, nos fazer reféns da opinião dos outros e nos levar aceitar as facilidades do mínimo esforço, o jejum nos coloca na contramão de tudo isso.

Precisamos jejuar para nos fortalecer na fé de que o alimento, a segurança e as conquistas em nossa vida só devem ser recebidas das mãos de Deus. Temos necessidades básicas do corpo e da alma. Precisamos do reconhecimento e de nos sentirmos seguros e de termos condições de realizar nossa missão nesse mundo, mas, acima de tudo, precisamos de transcender afirmando que a vida não pode ser reduzida a essas coisas (Lc.12.15). Se após jejuarmos nos sentimos mais próximos de Deus e mais fortes para enfrentar as privações e sofrimentos, nosso jejum já alcançou seu objetivo. E as motivações estarão depuradas quando formos capazes de abrir mão do pão (aceitar privações), popularidade (aceitar limitações, críticas e aparentes fracassos) e poder (rejeitar o caminho largo para abraçar o estreito)

O MAIOR BENEFÍCIO DO JEJUM
O resultado do jejum de Cristo foi a demonstração do equilíbrio de uma vida dependente de Deus. As respostas do Senhor foram: “preciso disso, mas não só disso”, “não preciso disso” e “somente isso”. Ele declarou que o humano é um ser material e imaterial, que precisa de pão não vive sem alimento espiritual. Ele quanto à espiritualidade, o Senhor identificou que Satanás promove diversas coisas desnecessárias para enredar o ser humano, o escravizando na ideia de que Deus tem obrigação de evitar todos os males ou de tornar a vida com Deus uma vaidade. E, por fim, o Senhor deixou claro qual o propósito inegociável do ser humano: a adoração exclusiva a Deus, pois é a idolatria que nos afasta de Deus e nos reduz a escravos do pecado.

Agora, alcançar essa vida equilibrada com profundo discernimento para vencer as tentações é uma resultado de uma vida de comunhão com Deus. E quando estamos próximos do Senhor que somos capazes de entender que “precisamos disso, mas não apenas disso” e poder dizer “não” para coisas desnecessárias aceitando serenamente nossas limitações. É quando Deus está nos centro de nosso coração que mostramos coragem de não nos dobrarmos diante das pressões do mundo, como fizeram Sadraque, Mesaque e Abnego (Dn.3). Satanás usa o mundo para nos ameaçar dizendo que não conseguiremos viver, que seremos excluídos e rejeitados, que não poderemos educar nossos filhos ou manter nossa dignidade. O diabo só tem essa moeda para nos oferecer: facilidade. Mas aqueles que jejuam buscando a comunhão com Deus serão capazes ver a Cruz como única passagem para uma vida vitoriosa.

Uma pessoa pode jejuar por questões existenciais para escapar de um sofrimento ou por clamor de profunda inconformação. Mas nessa disciplina, poderá obter o maior benefício do jejum que é a suficiência em Deus. Entender o que significa “nem só de pão viverá o homem” é um ganho espiritual do jejum. E essa descoberta só é acessada por aqueles que entregam um jejum com reverente consagração, feita com pedidos de perdão e disposição em obedecer os mandamentos divinos (Is.58.1-14). Esse jejum espiritual considera que Deus e a comunhão com ele, da fato, sustentam nossa vida.

Deus usa as situações difíceis e privações severas para nos motivar a orar e jejuar. Pressionados por nossas ansiedades, passamos a buscar o socorro divino. Com o amadurecimento, passamos a ter consciência de que o jejum irá nos aproximar de Deus. Aceitamos humildes o fato de que, se não houvesse nenhuma dificuldade, estaríamos distraídos e afastados do Senhor. Portanto, para os experimentados, o jejum não deve ter fixação nos benefícios terrenos, mas em sentir a segurança espiritual da comunhão com Deus.

O Senhor fica feliz em nos abençoar após esforços de jejum e oração, mas sua alegria é completa quando nós descobrimos que a comunhão com ele é melhor que a vida (Sl.63.3). Deus se alegra quando nos sentimos satisfeitos nele (Sl.37.4) e quando experimentamos a segura transcendência do “minha graça te basta” (2Co.12.9). O jejum pode começar motivado com os apertos e desafios terrenos, mas se não percebermos logo que o maior benefício é a dependência de Deus, nosso jejum em nada difere de outros esforços religiosos pagãos. A questão existencial é importante para começar, mas quando descobrimos que o jejum favoreceu nossa comunhão com Deus, somos, por um momento incrível, convencidos de que “nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”. Esse é o resultado desejável do jejum como disciplina espiritual: que as coisas em nossa vida sejam postas em seu devido lugar, que nossas motivações sejam depuradas até que se vença toda idolatria em torno das coisas dessa vida.

  1. para estudantes de teologia: o texto oferece esclarecimentos sobre união hipostática, humanidade de Cristo, pneumatologia, antropologia, hamartiologia, angelologia, soteriologia, esperança sobre a vitória sobre o pecado e a santificação ↩︎

LIBERDADE E SENTIDO DA VIDA

Paulo Zifum

Não é possível ter tudo na vida. Essa é uma verdade inquestionável. Na vida, não importa
se alguém é forte, rico ou socialmente influente, todos encontrarão um limite. E a limitação pode ser um impedimento total ou até uma situação que força escolher entre duas coisas, não permitindo possuir ambas. Por exemplo, o ser humano gostaria de desfrutar de liberdade e ao mesmo manter o sentido da vida, mas não isso não é possível, pelo menos na maioria das questões existenciais. E se o sentido da vida se obtêm numa pedra de sacrifício onde se abre mão da liberdade, a decisão exigirá um juízo de valor. Os que preferem sua liberdade e paz pessoal, normalmente, estão dispostos abrir mão de algumas exigências morais que compõem o caráter, como a honra aos pais ou a ética nos negócios. Uma mulher, ao escolher ser uma boa mãe, não poderá ter esse sentido sem renunciar em muito sua vida pessoal.

Liberdade não combina com a maioria das responsabilidades que envolvam a honra ou o bem estar coletivo. As pessoas mimadas são as que acham ser possível ter liberdade e ainda assim ter uma vida que faça sentido. Elas desconhecem o termo “sacrifício” e ainda assim querem ser virtuosas. Um filho para levar adiante a tradição da família, terá de abrir mão de liberdades próprias dos bastardos. Quem busca sentido da vida, prefere sofrer alguma privação no lugar de ter alguma felicidade. São os que querem liberdade a todo custo que desfilam estilos de vida desprezíveis.

A vida nos levará às encruzilhadas entre liberdade e sentido da vida. Felizes aqueles que, na hora do impulso, escolhem o caráter, a honra, a obediência, os valores, a espiritualidade. A liberdade pode até encolher, em alguns casos sumir, mas a vida se revestirá de sentido.

Porém, o mundo hedonista tenta relativizar tudo dizendo que abandonar a moral para pensar em si mesmo não é egoísmo. O resultado desse tipo de pensamento é um caos social numa sociedade onde o desejo de ser livre está acima do compromisso de ser útil. Pois, não são as autogratificações sem limites que nos tornam ansiosos viciados em comida, estética, compras e sexo? Por essa razão há tantas pessoas ricas e vazias, belas e solitárias, inteligentes e sem sabedoria, abastadas e insatisfeitas. Todas elas vivem na linha do desespero em crise existencial porque a vida não faz sentido.

Mas talvez alguém questione: se não é possível possuir as duas coisas, como o cristianismo promete liberdade (Jo.8.32). A resposta é que na mensagem de Cristo, que nos ordena escolher o caminho estreito (Mt.7.13-14), a única opção é escolher o sentido da vida. E quando ele disse: “aquele que quiser ganhar a sua vida, vai perdê-la, aquele que perder a vida por minha causa, irá ganhá-la” (Mt.16.25), não significa um convite para uma confinada ao esvaziamento, mas o Senhor nos ofereceu o caminho seguro para a verdadeira liberdade. Essa é a mensagem de Cristo em seu teor honesto e redentor: ajoelhe-se aos pés da Cruz, arrependa-se de seus pecados, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e, então, achará o verdadeiro sentido da vida que conduz à liberdade.